Monteiro Lobato
A maior parte das ideias da Rã eram desse tipo. Pareciam brincadeiras, e isso irritava Emília, que estava levando muito a sério o seu projeto de reforma do mundo. Emília sempre foi uma criaturinha muito séria e convencida. Não fazia nada de brincadeira.
- Parece incrível, Rã! - disse ela. - Chamei você para me ajudar com a ideia da reforma, mas até agora não saiu dessa cabecinha uma só coisa que preste!
- Isso não é verdade! A ideia das tetas com torneiras na vaca Mocha foi minha e você gostou muito.
- Só essa. Todas as outras eu tive que jogar no lixo. Vamos ver mais uma coisa. Que acha que devemos fazer para a reforma dos livros?
A Rãzinha pensou, pensou e não se lembrou de nada:
- Não sei! Parecem-me bem como estão.
- Pois eu tenho uma ideia muito boa - disse Emília. - Fazer um livro comestível.
- Que história é essa???
- Muito simples. Em vez de impressos em papel de madeira, que só é comestível para o caruncho, eu farei os livros impressos em um papel fabricado de trigo e muito bem temperado. A tinta será estudada pelos químicos - uma tinta que não faça mal para o estômago. O leitor vai lendo o livro e comendo as folhas; lê uma, rasga-a e come. Quando chega ao fim da leitura está almoçado ou jantado. Que tal?
A Rãzinha gostou tanto da ideia que até lambeu os beiços.
- Ótimo, Emília! Isto é mais que uma ideia-mãe. E cada capítulo do livro será feito com papel de um certo gosto. As primeiras páginas terão gosto de sopa; as seguintes terão gosto de salada, de assado, de arroz, de tutu de feijão com torresmos. As últimas serão as da sobremesa - gosto de manjar branco, de pudim de laranja, de doce de batata.
- E as folhas do índice - disse Emília - terão gosto de café - serão o cafezinho final do leitor. Dizem que o livro é o pão do espírito. Por que não ser também pão do corpo? As vantagens seriam imensas. Poderiam ser vendidos nas padarias e confeitarias, ou entregues de manhã pelas carrocinhas, juntamente com o pão e o leite.
- Sim - disse esta muito satisfeita com o entusiasmo da Rã. - Porque, afinal de contas, isso de fazer os livros só comíveis para o caruncho é bobagem, podemos fazê-los comíveis para nós também.
(Texto adaptado, retirado do livro A REFORMA DA NATUREZA)
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